Meu amor, em crioulo na voz de Sara Tavares. Não existe forma mais bonita de pintar o sonho de futebol de Cabo Verde.
Comunhão de emoções históricas e construção de identidade pós-independências. A nossa relação futebolística com as seleções-PALOP de expressão lusófona, atravessa décadas de influências e cruzamento de estilos.
Existe um abismo entre os anos 60 em que a seleção portuguesa da então dita Metrópole capturou para si os melhores jogadores descobertos nessas paragens africanas. Nós demos-lhe o conhecimento táctico e as condições estruturais mas eles deram-nos o mais precioso do futebol: o seu talento incomparável, de técnica, ginga, chefe ou moleque.
Quando finalmente puderam ter as suas seleções não existiu, no entanto, um transfer imediato deste talento para os seus onzes. Faltavam estruturas para os fomentar ou receber os que viviam longe, muitos já de segundas gerações .
Depois de Angola em 2006, então com o patriarcal Akwá, por fim outra seleção africana de língua portuguesa chega ao Mundial: Cabo Verde.
O feito é mais fantástico porque em termos mundiais só outra seleção com menor território e população conseguira esta proeza, a Islândia.
O despontar dum estilo

O nosso imaginário futebolístico voa mas vendo jogar esta seleção de Cabo Verde já se detecta um estilo de jogo próprio. E esse o maior tesouro que as principais seleções PALOP têm futebolisticamente construído nos últimos anos.
O futebol tem essa força como expressão de independência. O aroma que fez muito do estilo das melhores seleções portuguesas dos anos 60, voltou às suas raízes de Angola , Moçambique e Cabo Verde (as mais fortes seleções lusófonas)
Há um estilo próprio de futebol que cruza estas nações. Depois, cada uma mete a sua especificidade, como a angolana (feita de técnica mas mais rápida e física com maior cultura táctica sem bola) até à cabo-verdiana (mais lenta e de toque apoiado cultivando mais o ter a bola). Uma espécie de morna que se canta e dança com bola.
É, claro, uma imagem romanceada do futebol cabo-verdiano porque o verdadeiramente decisivo foi também o seu crescimento a nível táctico (sobretudo defensivo) para uma seleção que só entrou pela primeira vez no apuramento em 2002, atingir este nível de jogo e bater-se com as maiores potências africanas (como o Egito, que ultrapassou no grupo).
O onze-base de Cabo Verde

Em campo, os melhores momentos do futebol Cabo Verde ano nos últimos anos estiveram sobretudo nas jogadas de velocidade e finta com golo de Ryan Mendes, que, aos 35 anos, está no IFK Igdir da Turquia. Ainda hoje, ele é a estrela duma equipa guiada pelo carismático técnico Pedro Brito, o “Bubista” (como é conhecido pela ilha da Boa Vista onde nasceu).
Conhecedor profundo da mentalidade do jogador cabo-verdiano, formou um onze equilibrado entre o lado tático do meio-campo com dois médios-centro que controlam bem atrás da linha da bola e entregam depois limpo o passe de transição
É uma dupla controlada pelo pivot-trinco Kevin Pina e pela rotação permanente de Yannic Semedo, que soltam depois um trio de médios-ofensivos quase segundos-avançados, onde já entra o jogo nesta fase da carreira mais pausado de Mendes, a criatividade quase de “10” de Jamiro (ficando Deroy para entrar e equilibrar como “8”) ficando o lado mais agitador-criativo do ataque para Willy Semedo ou Telmo Arcanjo, a buscar e largura, e a nova grande descoberta do futebol crioulo, Dailon Livramento, 24 anos, hoje no Casa Pia, nº9 de ataque à profundidade, já nascido e formado no futebol holandês (no NAC e MVV) tendo passado na última época pelo Verona. A sua descoberta para a seleção cabo-verdiana foi um trunfo decisivo nesta fase.
Foi difícil controlar a ansiedade dos últimos jogos mas tudo que se viveu na tarde decisiva de calor contra Essuatini, mostra a matéria táctica e emocional de que é feito este futebol com amor pela bola: O estilo “Nha Cretcheu” (meu amor, em tradução crioula, eterna na voz doce de Sara Tavares). Acho que não existe forma mais bonita de pintar este sonho real de futebol de Cabo Verde.





