O “ET” do futebol brasileiro

O “reinado verdão” de Abel atingiu o apogeu tático. Como mudou o Palmeiras através dos anos
 

 

Naquela noite em Quito, no Equador, após ver a sua equipa sufocar na altitude, sem poder respirar para jogar, batida 3-0 pela LDU, Abel não fugiu a reconhecer a derrota e o mau jogo mas teve a inspiração de se lembrar duma velha frase que dizia Juanito, médio raçudo com classe do Real Madrid dos anos 80, que, após a equipa merengue sofrer duras derrotas nos jogos fora das competições europeias, começava logo a lançar o jogo da segunda-mão avisando que “90 minutos no Bernabeú são muito longos!”.

Assim, nascia lenda das “remontadas” do Real Madrid que se prolongou no tempo, dando reviravoltas incríveis com goleadas que pareciam impossíveis contra fortes adversários. Abel fez essa adaptação, avisando que “90 minutos no Allianz Park são muito longos”. E foram mesmo.

O onze equatoriano que voara na altitude mal conseguiu sair da sua área no Brasil. Enfiado num sistema de 5x4x1 de caverna defensiva sem esboçar o contra-ataque, foi sufocado pelo plano tático congeminado por Abel para os cercar por todos os lados. Nessas mudanças, além da atmosfera electrizante, virou a eliminatória de pernas para o ar, goleando (4-0) no resultado e no jogo jogado. Domínio absoluto.   

O plano de Abel

Em vez do 4x4x2 móvel da primeira-mão, montou um sistema a “3” a partir de três centrais (Fuchs-Goméz-Murilo) e projetou os laterais como alas mas de forma distinta: à direita, o canhoto Allan cera lateral-ala na largura e profundidade, e, à esquerda, Piquerez subia metendo-se em diagonais por dentro para dar a faixa a um extremo de mudança de velocidade, Ramon Sosa (lançando em vez do tecnicista mais lento Felipe Anderson).

Dessa forma, com Pereira a pegar o jogo no corredor central, fazia Maurício variar entre o centro-direita e colocava uma dupla atacante complementar, com o rebelde nº9 Vítor Roque e “El Flaco” López mais em cunha (este revelando cada vez maior poder físico-muscular para a bater nas marcações adversárias).

Depois, no decorrer do jogo, lançou o plano-Raphael Veiga, quando, a meio da segunda-parte os equatorianos procuravam aguentar a vantagem já curta, para se soltar como um nº10 criativo com liberdade para inventar, passar e rematar. Na ação de Veiga (gerido em face duma lesão) esteve a face mais criativa (a nível de passe e movimentos) do “onze verdão”  que voou através de Allan desde a asa direita (onde acabou a extremo). Um plano tático (o inicial e o revulsivo durante o jogo) perfeito.

Como mudou o Palmeiras

Abel vai para a sua terceira Final da Libertadores (enquanto luta pelo Brasileirão) em cinco épocas no Palmeiras. Um feito notável onde também se pode detetar a evolução das suas ideias de jogo e variabilidade de princípios em face também da tipologia escolhida dos jogadores-chave que foram fazendo parte de cada onze-base através dos anos e em anteriores triunfos.

Assim, do jogo cerebral dum organizador desde a faixa como Dudu e um nº9 de mobilidade reconvertido desde extremo como Ronny, passou a jogar com uma dupla de ataque que se move um atrás do outro (e não lado a lado) para, assim, ao mesmo tempo, arrastar marcações e abrir espaços.

O meio-campo continua a ter um nº6-pivot de referência mas uma coisa era Zé Rafael mais posicional de pressão e outra é um visionário na saída em construção (mais nº8 de origem) como Pereira (que mudou o inicio de saída de bola em relação à opção-Martinez de Quito).

Na maioria das vezes, ele é o nº8 que conduz as transições defesa-ataque num papel que já foi feito por Rios (então num meio-campo que definia claramente o “6” Zé Rafael, o “8” Rios e o “10” Veiga). Esses conceitos posicionais tornaram-se agora mais mutáveis e a equipa tornou-se mais criativa coletivamente a meio-campo sem perder o jogo de triângulos de apoio (para defender ou atacar).

O “reinado verdão” de Abel atingiu, também, o apogeu tático.

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